Família, torna-te o que és!
.
Torna-te o que és! Foi o que disse, certa vez, o poeta pagão Píndaro acerca do homem. Do ponto de vista lógico, a afirmação de nosso poeta seria uma contradição, porque ninguém pode vir a ser o que já é. Se já sou um ser humano, não posso vir a sê-lo.
Na verdade, a percepção refinada do poeta traduz algo mais profundo. Mesmo que sejamos seres humanos desde o nascimento, podemos admitir que, aos nascermos, ainda não somos seres humanos em plenitude, pois, não temos uma identidade. Somos apenas seres abertos ao vir-a-ser humano. Este era o conselho do poeta: construa sua identidade, ou seja, torna-te de fato o que já és como possibilidade.
O fenômeno da família, no qual se insere o homem, decorre do fato de que o ser humano surge para a vida numa situação de desamparo e, por isso, está necessariamente referido a outro. Existem seres vivos que são autônomos desde os primeiros momentos de sua existência, o que pode ser observado fartamente na natureza animal. Ao contrário, um ser humano recém-nascido demanda uma série de cuidados para poder sobreviver e levar adiante seu próprio desenvolvimento até a maturidade.
Surge assim uma relação entre uma nova vida, que ainda não tem a consciência de sua própria existência, e uma outra em andamento, representada pelos pais, cuja função é a de facilitar o advento das capacidades que resultem necessárias das circunstâncias vitais e históricas, as quais estão delimitadas por um arco de tempo que, normalmente, encerra-se no momento em que aquela nova vida alcança sua independência existencial.
Essa independência costuma surgir com a conquista de uma profissão. Mesmo assim, o processo familiar não cessa, porque o elemento de potencialidade interior no ser humano é essencialmente maior do que nos animais irracionais: nestes seres, os limites de possibilidade e de realidade alcançam rapidamente sua descoberta, causando a impressão de já estarem predispostos em sua própria natureza. No ser humano, a situação é completamente diversa.
Como resultante da importância dessa dimensão familiar, nós, como homens e mulheres, devemos nos debruçar sobre o estado da arte familiar nos dias atuais. Há algumas décadas, pude escutar dos lábios de João Paulo II, que havia chegado para toda civilização ocidental a “hora da família”. Mais do que assinalar as respostas que a ideia contemporânea de família — na maioria das vezes, endossada normativamente pelo Direito — nos propõe como solução para o período de transição da modernidade para a pós-modernidade em que vivemos, é imprescindível demonstrar como a família pode ser uma primordial e insubstituível protagonista das mudanças radicais que nossa sociedade reclama no alvorecer do século XXI.
Ao analisarmos as relações entre a família, como ente social, e seu atual entorno histórico-existencial, esboça-se uma atitude defensiva, porque a instituição familiar vem sendo submetida a um progressivo processo de deterioração de suas bases ontológicas a partir de vários campos do saber. A família está cercada em seus últimos redutos, por todos os lados, com pouca munição, pessoal e moral abalados.
Não nos estranha, pois, essa postura defensiva, muito semelhante à dos Aliados no cerco a Bastogne, a fase mais aguda da famosa batalha das Ardenas, travada no teatro europeu da última guerra mundial. Entretanto, agora, é a hora da família. É a vez de sair de sua postura defensiva para um protagonismo amavelmente ofensivo, em virtude, justamente, dos bens e deveres em jogo para o futuro da humanidade.
E, também, porque o verdadeiros aventureiros das trilhas de nosso confuso e belo mundo são os pais de família. Tudo no mundo moderno está organizado contra esses loucos que se atrevem a ter filhos. Os pais de família estão abertos ao mundo de seus filhos. Só eles sofrem pela prole e esgotam o sofrimento temporal. Aqueles que nunca tiveram um filho enfermo não sabem o que é a enfermidade. Aqueles que nunca perderam um filho não sabem o que é a dor. E tampouco sabem o que é a morte.
A família constitui, ao cabo, a fonte da civilização do amor, na feliz expressão cunhada por Paulo V. A família como motor de uma verdadeira e fecunda revolução social é a missão que nos incumbe diante das portas do terceiro milênio de nossa história. Afinal, como já lembrava João Paulo II, “tal é a família, tal é a nação, porque tais são seus membros”. Então, parafraseando nosso poeta pagão, se a família deve ser o centro e o coração da civilização do amor, família, torna-te o que és! Com respeito à divergência, é o que penso.
André Fernandes
Atualizado em 22/07/2014
|
Curtir isso:
Curtir Carregando...
Relacionado
Filed under: 5584, Agenda, Amor de Deus, Apresentação, Apresentação, Arrancando Máscaras, Associação cultura Montfort, Canção Nova, Concílio Vaticano II, Dinâmicas para Meditação, Fidelidade à Liturgia de Sempre?, Fora da Igreja não há Salvação, Igreja Católica, Igreja Missionária, Parábolas e Reflexões, Presente prá você, RCC, Reinflamando a Chama, Semana da família, Testemunho, Tradição Católica, Vocação | Tagged: Alegria, Amor, Benção, Casamento, CNBB, Disquite, Divórcio, ECC, FAMÍLIA, Família Cristã, Honrar Pai e Mãe, Hora da Família, Hora da Vida, Matrimônio, Milagre de Caná, Namoro, Núpcias, Noivado, Noivos, Oração da Família, Pastoral da Família, Problemas Conjugais, Respeito, Semana da família, Semana Nacional da Família, Separação, Vida Familiar |
[…] crianças devem aprender a amar a Deus, a respeitar a seus pais, a usar sua liberdade de dentro dos limites da disciplina […]
CurtirCurtir